A Grande Filosofia e a Filosofia do Dia-a-Dia

Vejo muitas pessoas querendo conhecer melhor os grandes filósofos e suas ideias, na esperança de trazer para sua vida cotidiana um pouco mais de sabedoria. Mas por onde começar? A filosofia é um empreendimento tão vasto!

Três Abordagens

Tipicamente, vejo três abordagens presentes nos livros e cursos sobre filosofia: a histórica, a tópica e a acadêmica.  Na abordagem histórica o fio condutor são os autores e as épocas em que viveram.  Por exemplo, começamos com os chamados pré-socráticos, depois nos detemos na tríade Sócrates, Platão e Aristóteles. Passamos (ou não) pelos neoplatônicos e então vamos direto para o fim da Idade Média, com a filosofia escolástica.  Examinamos os renascentistas, depois os modernos e, por fim os filósofos contemporâneos (segunda metade do século XX para frente). Uma boa pedida para esse enfoque é a coleção História da Filosofia de Giovanni Reale e Dario Antiseri(1).

Se optarmos pela abordagem tópica, o fio condutor será o temático-conceitual: o que é a realidade? E a beleza? E o conhecimento? Livros como o de Ubaldo Nicola (2) são excelentes nessa lógica e a ideia básica é a de comparar o que cada autor ou escola de pensamento tem a dizer a respeito de cada tema.

A terceira abordagem é a acadêmica, na qual o elemento organizador principal é a arena dos debates.  Algumas dessas arenas poderiam ser: a ontologia (onde se discute sobre a natureza da realidade e da existência), a epistemologia (natureza do conhecimento e do conhecer), a hermenêutica (natureza da linguagem e da interpretação, incluindo aqui a retórica, a semiótica e a semântica, por exemplo), a axiologia (discussões sobre os valores, a ética e a estética) e outras.  Neste caso, é mais fácil encontrar um livro sobre cada uma dessas arenas, como por exemplo as obras de Richard Fumerton sobre Epistemologia (3) e Nikk Effinham sobre Ontologia(4).

E a Filosofia do Dia a Dia?

Bem, se você, por outro lado, está interessado em como viver melhor, ter uma existência mais significativa, desenvolver um senso de sabedoria prática aplicável aos problemas da vida cotidiana, e, acima de tudo, conseguir fazer tudo isso sem ter que investir décadas de estudo diligente e minucioso, então eu não recomendo nenhuma dessas três abordagens.

Para resultados imediatos, na minha maneira de ver (os profissionais da filosofia à essa altura irão praguejar – mas, quer saber? Dane-se…), concentre-se no estoicismo. Os filósofos dessa escola de pensamento não discorrerão sobre a natureza da realidade, do conhecimento ou da metafísica. Eles estavam mais preocupados com o aqui-agora, com as melhor maneira de viver a vida e resolver os problemas que rotineiramente nos perturbam.  

Permita-me sugerir uma trilha eficiente para conhecer os estóicos: comece com Sêneca (Sobre a Brevidade da Vida / Sobre a Ira), siga para Epicteto (Encheiridium ou Manual de Epicteto) e feche com as Meditações, de Marco Aurélio.  Quatro obras relativamente curtas, fáceis de ler embora profundas para meditar.  

Duas recomendações finais

Primeira: leia devagar. Não aborde essas obras com a lógica da produtividade, mensurada em PLD (páginas lidas por dia). Isso vulgariza o conhecimento e impede que você estabeleça uma conexão relevante entre as ideias dos autores e a sua vida;

Segunda: cuidado com as traduções (a maioria é péssima). Sugiro as de Edson Bini para Marco Aurélio e Epicteto (5) e as de José Eduardo Lohner para Sêneca (6).

(1) Reale, G.; Antiseri, D. História da filosofia (6 volumes). São Paulo: Paulus, 2004.

(2) Nicola, U. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna. São Paulo: Globo, 2005.

(3) Fumerton, R. Epistemologia. Petrópolis: Vozes, 2015.

(4) Effingham, N. An introduction to ontology. Cambridge, UK: Polity Press, 2013.

(5) Marco Aurélio. Meditações. (Edson Bini, trad.). São Paulo: Edipro, 2019.

Epicteto. Manual de Epicteto: a arte de viver melhor. (Edson Bini, trad.). São Paulo: Edipro, 2021.

(6) Sêneca. Sobre a brevidade da vida. (José Eduardo S. Lohner, trad.). São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2017.

 Sêneca. Sobre a ira / Sobre a tranquilidade da alma. (José Eduardo S. Lohner, trad.). São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2014.

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